terça-feira, 9 de maio de 2017

O PARTO - UMA HISTÓRIA DE DEUSAS E GUERREIRAS

Foto: Parteiras - acervo do Museu
No percurso  da história da humanidade  o ato da parturição sempre representou um sublime episódio de uma mescla de amor e sofrimento . Nos primórdios dos tempos a mulher dava a luz sem ajuda externa e  , na solidão da natureza do mesmo modo que os outros animais .
As mulheres sempre exerceram o papel de cuidadoras e legitimamente tornaram – se as primeiras e verdadeiras médicas na história da humanidade  .  No geral   , eram pessoas maduras oriundas do povo  e que já vivenciaram o ato da parturição de onde tiraram algum aprendizado  prático . Muitas foram  as vidas salvas do binômio mãe – filho através destas guerreiras divinas . Com sua inata curiosidade e sensibilidade feminina descobriram as primeiras ervas na natureza com capacidade de promover curas  , dai serem as parteiras as precursoras da farmacologia clínica .
Na primitiva  medicina  mágica e espiritual , as parteiras marcaram sua presença  como verdadeiras heroínas  , que exerceram o belo ofício de médicas , mesmo sem diplomas . Apesar de excluídas  , propositalmente ,  dos livros de história e ciência , sendo consideradas bruxas e charlatãs , elas milagrosamente sobreviveram .
As mulheres respondem pela fertilidade  , nascimento e manutenção da vida e após longo processo de afronta e usurpação de seus  direitos , na modernidade retomaram elas  seu lugar na condução e empoderamento  do processo parturitivo .
No Antigo Egito as mulheres sábias e sacerdotisas eram  veneradas , pois os próprios médicos formais defendiam : “ Aprendi com essas mães divinas  que me ofertaram suas infalíveis  receitas “ . As matronas cultuavam as deusas da fertilidade e da arte de partejar  como Artemisia , Artemis ou Diana .
Na Grécia Antiga  , o  divino filósofo Sócrates ( 470 – 399 a . C.  )  , afirmava em praça pública : “  Filho sou de uma valente e verdadeira  matrona ( Fenareta ) . Recebemos , os dois , de Deus  , ela o dom de ajudar no nascimento de criaturas , e eu , de partejar ideias ( maiêutica ) “ . Assim o ateniense que teve a suprema humildade de dizer   : “ Só sei que nada sei “ ,  tinha em alta conta as figuras das parteiras . Por essa época  , século IV a. C. , viveu na Grécia , Agnodice ,  considerada a primeira ginecologista da história . Uma formidável mulher que queria exercer a medicina e travestiu- se de homem para estudar junto a Herófilo de  Calcedônia ( 335 – 280 a . C . )  , um dos mais afamados doutores da Escola de Alexandria . Descoberta a trama e julgada no areópago ao levantar a roupa  a nível da cabeça mostrou para todos a sua certidão natural de identidade feminina . Pouco tempo depois foram reformadas as leis gregas que proibiam o acesso das mulheres ao exercício pleno  da  medicina .
Na Idade Média a medicina migrou para o interior dos mosteiros e os partos sem complicações na comunidade eram assistidos por parteiras ou  comadres . Os partos que exigiam manobras eram conduzidos  por médicos ou por barbeiros –  cirurgiões .
No Renascimento ( século XVI ) os médicos enfim passam a dividir com as parteiras a feitura e os cuidados da parturição . O fórcipe , instrumento  surgido no século XVIII  ,  aplicado apenas por médicos  em partos difíceis  , as cirurgias mutiladoras e as versões faziam parte do universo  masculino na assistência ao parto .  Uma mulher  , obstetra  de larga prática ,  Marie Louise  Lachapelle ( 1769 – 1821 )  , conhecida como Madame Lachapelle  destacou –se  com a publicação de um trabalho baseado em 40.000 partos , o que  veio a  desbancar a tirania dos obstetras . 
No século XIX observa- se o progresso da cirurgia e do controle da infecção puerperal com destaque para as figuras de Inácio Semmelweis ( 1818 - 1865 ) e Louis Pasteur ( 1822 - 1895  ) . 
No século XX  a medicina de uma maneira geral  deu um grande salto de qualidade com avanços em anestesia , antibioticoterapia ,  hemotransfusão , transplante , reprodução assistida e especialmente o retorno do parto humanizado .
A empatia  que é  a capacidade de identificar e sentir o que outra pessoa sente  e querer o que ela quer  ;  e a compaixão  que representa o  sentimento de piedade para com a tragédia pessoal  de outrem , acompanhado do desejo de  minora  – la fazem o alicerce da nova abordagem de assistência ao parto humanizado . 
O profissional médico deve colocar de lado a atitude  paternalista , onde  ele detém todo o saber de forma isolada e adotar a atitude informativa  onde o cliente toma consciência do diagnóstico , prognóstico  e tratamento , cabendo ao mesmo a decisão final sobre o que deve ser  feito . 
No parto humanizado o protagonismo  principal de todo o processo  parturitivo  desloca- se para o binômio  mãe e filho . Os três pilares do dito parto constam da preparação psicofísica do casal  , o respeito à fisiologia do nascimento e aos valores da cultura do casal .
Uma equipe multidisciplinar  ,  incluindo médico , enfermeira e doula centrada nos anseios da mulher grávida auxilia sobremaneira a realização harmônica do sublime ato da parturição . Espera – se assim maturidade e senso de responsabilidade  a todos aqueles que atuam neste mister   com o fito de acelerar o retorno ao parto humanizado  de forma definitiva .
Não há que se esquecer nunca que  “   Onde houver amor  pela arte da medicina , também haverá amor pela humanidade “  Hipócrates de Cós ( 460 – 377 a . C . )

Por Prof. Dr. Francisco José Eleuterio
Fonte: http://astrilhasdavida.blogspot.com.br/2015/05/o-parto-uma-historia-de-deusas-e.html