Nem sempre se conversa sobre sexualidade como se deveria. Para especialistas, mais explicações podem ajudar a tomar decisões conscientes e identificar violências. Outros grupos defendem a discussão só na seara familiar.
Por Gabriela Custódio
O grande número de alunas grávidas em 2018 alertou a equipe da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Lions Jangada, no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza, para a necessidade de falar sobre sexualidade com os estudantes. Foi assim que o professor de Educação Física Marcos Aurélio resolveu propor a disciplina eletiva de Educação Sexual, implementada em 2019.
As 30 vagas disponibilizadas — cinco a mais do que normalmente é ofertado — não foram suficientes para suprir a demanda e há lista de espera. "O que eu vi com esse grupo de pessoas é que tem muita informação, mas faltam explicações", afirma o professor. Com a falta de conversa sobre o tema inclusive com os pais, segundo ele, os jovens acabam aprendendo "da maneira mais difícil", por meio da experiência.
Entre os conteúdos abordados em sala, o professor aponta Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e prevenções. "Ninguém está fazendo apologia a sexo aqui, muito menos incentivando esse pessoal à prática", defende. Adriana Amaro, coordenadora da Lions Jangada, explica que há reunião no início do ano em que o leque de disciplinas eletivas é apresentado aos pais e responsáveis. Antes da eletiva, o assunto era tratado no Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS).
Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de gravidez na adolescência, no Brasil, é de 68,4 nascimentos para cada mil meninas de 15 a 19 anos. A taxa mundial é estimada em 46 e em países como os Estados Unidos, o índice é de 22,3. Analisando o período de 2010 a 2015, o documento aponta a falta de educação sexual como um fator determinante para a gravidez em adolescentes na América Latina e no Caribe.
Outro índice de destaque no país, no que tange à sexualidade, é o aumento da detecção do HIV entre jovens. Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2018, do Ministério da Saúde (MS), o número de notificações de casos de HIV aumentou aproximadamente 700% entre pessoas entre 15 e 24 anos, de 2007 a 2017.
Sexualidade, porém, ainda é um assunto repleto de tabus e há controvérsias sobre como ele deve ser tratado com os jovens. Pesquisa do Instituto Datafolha publicada em janeiro deste ano aponta que 54% das 2.077 pessoas ouvidas em todo o país se diz favorável à educação sexual nas escolas.
Por outro lado, apoiadores do programa Escola Sem Partido opõem-se, por exemplo, à discussão sobre gênero. Contrário à "doutrinação política e ideológica nas escolas", o PL 246/2019 traz seis deveres do professor que deverão ser expostos em cartazes nas instituições, além de outros pontos.
Iniciativas semelhantes ao Escola Sem Partido e avessas à "ideologia de gênero" estão presentes em outros países na América Latina. O Con Mis Hijos No Te Metas ("não se meta com meus filhos", em português) surgiu no Peru, em 2016, e organizações com o mesmo nome estão presentes em países como Chile, Argentina, Paraguai e Equador, por exemplo.
Para a pedagoga e doutora em Educação Vera Marques, coordenadora do Laboratório Educação e Sexualidade (Labedusex) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), há uma "confusão" sobre o significado de sexualidade, o que leva à redução dela — e por consequência da educação sexual — ao ato sexual. De acordo com a pedagoga, o trabalho de educação sexual "é amplo, envolve sentimentos, valores, ciência" e a sexualidade contempla aspectos cotidianos que vão além do sexo.
Tema transversal, ela é vivenciada desde o primeiro choro, ao nascer. "A nosso ver, no Laboratório, esse é o grande dilema da humanidade: não entender que, sendo a sexualidade uma dimensão humana, ela diz respeito a tudo que nós somos e fazemos o tempo todo. Inclusive ao ato sexual, que, no entanto, pressupõe uma idade adequada, pressupõe outras orientações", afirma a pedagoga.
Em meio a discussões sobre a sexualidade ser assunto tratado apenas pelas famílias, Vera Marques argumenta que elas têm dificuldade de tratar sobre o tema, independentemente do acesso ao conhecimento. "A escola e a universidade contribuem no alargamento dessas percepções que vêm desse primeiro grupo social que é a família por meio do conhecimento científico." Porém, a pedagoga defende que a instituição convide pais e responsáveis para o debate.
Homero Henrique de Souza, assessor pedagógico da Equipe de Educação, Direitos Humanos, Gênero e Sexualidade (EDHGS) da Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), concorda sobre a parceria. "Nem essa formação do indivíduo pode ficar só a cargo da família — impossível, ainda mais agora com as escolas de tempo integral, em que os estudantes passam a maior parte do tempo no cotidiano da escola — e nem pode ficar só a cargo da escola", afirma.
Espaço para discussão
O tema também é discutido no Colégio Batista, que anualmente realiza a Jornada da Educação Sexual durante a semana cultural. Alunos entre o 8º ano do Ensino Fundamental e a 1ª série do Ensino Médio participam de debates e têm acesso a informações sobre temas como anatomia e fisiologia, ISTs, violência sexual, assédio e gravidez precoce. Também são trabalhados aspectos como respeito e responsabilidade com o corpo e com as decisões tomadas em relação à vida sexual.
"Entendemos que sexualidade faz parte da vida, então não tem como a escola se omitir ou não trazer essa discussão para dentro e discutir isso com os alunos", afirma Shirley Oliveira, assessora pedagógica do colégio. A recepção dos pais à iniciativa é sempre positiva. "Nunca tivemos problema, até porque respeitamos muito a orientação da família. A escola dá uma orientação voltada para essas questões biológica, sociológica e psicológica, mas a orientação sexual que a família vai dar para o filho é prioritária."
Importância do tema
Por a sexualidade ser um aspecto presente durante toda a vida e ser um tema transversal, Vera Marques afirma que o processo educativo pode acontecer em aspectos cotidianos, a partir de perguntas das crianças ou de atividades como leitura de contos infantis. A pedagoga explica que ela envolve sentimentos e valores e pressupõe ética e respeito consigo e com o outro. "Essas questões têm que ser trabalhadas junto com o conhecimento científico que é produzido acerca da sexualidade."
Vera Marques defende a educação sexual como forma de as pessoas fazerem escolhas com consciência e responsabilidade, além de apontar seu caráter preventivo. "Quando uma criança, desde muito pequena, é alertada por meio da literatura infantojuvenil, de uma conversa franca da escola, dos pais, isso é uma forma também de prevenir por exemplo a violência sexual."
De acordo com dados do Ministério da Saúde de junho de 2018, entre 2011 e 2017, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 184.524 casos de violência sexual, sendo 31,5% (58.037) deles contra crianças e 45% (83.068) contra adolescentes. Dentre os casos, 69,2% (40.154) ocorreram em casa e 4,6% (2.656), na escola.
Segundo Homero Henrique de Souza, ignorar esses assuntos tem impacto tanto na formação de estudantes quanto no acolhimento a vítimas, que muitas vezes abandonam a escola. "O foco principal da Secretaria é garantir essa escola com mais espaço de inclusão, de reconhecimento e valorização da diversidade. Acreditamos que isso só é possível se desconstruirmos as situações que alimentam o preconceito, a discriminação, o bullying."
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para turmas de 5ª a 8ª série, indicam "problemáticas sociais atuais e urgentes" a serem abordadas transversalmente às áreas do conhecimento. Uma delas é a orientação sexual — termo apontado como sinônimo de educação sexual —, além de ética, meio ambiente, saúde e trabalho, pluralidade cultural e consumo. Os parâmetros são um apoio para técnicos, professores e equipes pedagógicas, além de pais e responsáveis.
Trabalhando há cerca de 20 anos com o tema, porém, a coordenadora do Labedusex considera que tratá-lo de forma transversal não tem surtido efeito. "Na maioria dos casos, o que é tomado como transversal pressupõe-se que é responsabilidade de todos. E historicamente temos acompanhado que aquilo que é de todos acaba não sendo de ninguém", afirma. Tanto em faculdades quanto nas escolas, ela defende que haja espaço específico para debate.
O acesso a serviços e informações sobre saúde sexual também está previsto entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), declaração produzida em 2015 a partir da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável para orientar políticas nacionais e atividades de cooperação internacional. Segundo o item 3.7 do documento, até 2030 deve ser assegurado "o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais".
PARA TESTAR CONHECIMENTOS
Para levar informações a alunos da rede pública de forma dinâmica, alunos de Medicina da UFC participantes da Liga de Estudos em Ginecologia e Obstetrícia (Lego) desenvolveram o projeto "Lego nas escolas quebrando o tabu da educação sexual". Sob orientação da professora e ginecologista Raquel Autran Coelho, os alunos desenvolvem uma atividade com alunos do ensino médio de escolas da rede pública, de 14 a 18 anos. A partir das principais demandas, os participantes da Lego desenvolveram um quiz para testar conhecimentos e tirar dúvidas sobre ISTs, prevenção e outros assuntos.
Matéria na íntegra com quiz clicando aqui.
Matéria retirada de O povo online.
FEEDBACK:
ResponderExcluirProfª Silvia Bomfim: Querida Gabriela, meus parabéns! O trabalho está completo. A abrangência de todos os aspectos contribui para uma análise do assunto de forma bem racional , por todas as correntes. Fiquei feliz e envaidecida de ter contribuído um pouco para as informações. Mais uma vez, meus parabéns!
Gabriela Custódio: Muito obrigada, professora Sílvia!! Fico muito feliz com esse retorno da senhora e por saber que, com meu trabalho, pude contribuir para uma boa análise sobre o assunto. Muito obrigada mais uma vez.